domingo, 21 de março de 2021

Carpe diem

Ontem começou a Primavera. Só me lembrei disso já a hora equinocial tinha passado há muito. A vida tem destas coisas. Perde-se a hora e a perda torna-se irreversível. Nunca mais haverá equinócio da Primavera de 2021. Não há dias mais igualitários que os equinociais. Duas vezes em cada ano, noite e dia têm a mesma duração. Tirando estes momentos simbólicos, reina sobre a Terra a mais desenfreada desigualdade, embora essa desigualdade esteja cheia de remorsos. Durante uma época são os dias maiores que as noites, na outra acontece o contrário. Em tudo isto se poderá encontrar lições da mais profunda política. Em primeiro lugar, a igualdade pura é meramente simbólica e tem dias precisos para ser festejada. Nos outros, é um conflito sem fim entre as pretensões igualitárias e inigualitárias do cosmos. Os homens não inventam nada. Umas vezes descobrem as coisas na natureza e tentam imitá-las, outras são levados por elas sem sequer terem consciência de onde vêm os impulsos que os dirigem. Neste diário, nunca tinha escrito nada de tão político quanto este texto. O autor não me permite falar de política, remete-se para o papel de mero narrador destituído de convicções e de paixões. Se se tratar, porém, de uma política cósmica ser-me-á permitido, uma vez por outra, derramar sobre o assunto a minha fera ignorância. Foi o que aconteceu hoje. Haverá quem diga que o escrito se deveu à falta de assunto. Como narrador, não tenho poderes para contrariar a suposição. Hoje é domingo, o penúltimo de Março. Há que vivê-lo antes que passe. Se fosse uma pessoa culta diria neste instante: Carpe diem! O ponto de exclamação serve para transformar a sugestão numa obrigação, uma espécie de imperativo categórico kantiano. Depois, diria todo o verso de Horácio: carpe diem quam minimum credula postero, o que quererá dizer aproveita o dia e confia pouco no amanhã. Os antigos tinham a sabedoria que os modernos perderam. Estes descobriram no amanhã o lugar exaltante da felicidade. Aqueles viam o que sempre lá esteve e o que sempre lá estará, a morte. Por isso, atrevo-me a dizer que a nossa magnífica civilização é niilista. Fez do desaparecimento um lugar de culto e a promessa de uma festa sem fim. O melhor é acabar o texto aqui. Está enorme e já chega de trivialidades.

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