A arte de bem conservar os seus cabelos em tempo de pandemia. Oiço, sem o querer, uma conversa sobre cabelos. Há teorias em disputa sobre o que os estraga e os protege, todo um manancial de informações que davam para escrever um tratado. Apesar do êxtase, afasto-me rapidamente, cansado da lição, e percorro algumas ruas conhecidas. Não tenho destino onde ir, mas isso já não é novidade. Ando por aí aos tombos, tenho vontade de dizer, mas temo ser mal interpretado. Agora que rememoro essa parte da manhã, estou sentado a escrever. Lá fora, um carro, movido pela urgência de se escapulir do lugar onde se encontra, desata às buzinadelas. Um outro tapa-lhe a saída e não há no mundo quem suporte que lhe sejam tapadas as saídas. Se carros e pessoas soubessem a verdade, logo se acalmariam, pois, por mais saídas que encontrem, permanecerão no mesmo lugar. Este é um sítio esférico, fechado ao exterior, onde não existem portões, portas ou janelas, nem mesmo aquelas gateiras que antigamente existiam nas casas das aldeias, por onde entrava e saía o gato da família. Na verdade, não vale a pena buzinar, pois, por mais que se ande, fica-se onde se está. A rua foi invadida por uma luz difusa e um sentimento de irrealidade apodera-se de quem para ela olha. Não há vento e um pássaro voa entre tílias. Amanhã o mês acaba e talvez deva ir cortar o cabelo.
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