sábado, 19 de janeiro de 2019

Anacrónico

Os pássaros que ainda há pouco tempo cantavam perto da minha janela emudeceram. Eram pássaros tardios, sei-o bem, e há muito que deveriam ter partido. O tempo fê-los perder a memória e confundiram a púrpura dos dias com o fulgor do Verão. Também eu confundo os tempos e caminho pelo Inverno como se ainda fosse Outono. Pensava em tudo isto, enquanto contemplava a mansidão da luz batida pelas águas frias de Janeiro. Alturas há em que me assalta uma estranha convicção: este não é o meu tempo. Sou, atavicamente, anacrónico. Rio-me e pergunto se há outra coisa que possa fazer senão rir-me de mim mesmo. Num poema de Eugénio Andrade encontro a afirmação o teu destino és tu. Não, o meu destino não sou eu. Sou como os pássaros que emudeceram na minha janela ou como a chuva que se calou tomada pelo peso da tarde. Se estivéssemos em Outubro tudo seria perfeito, pensei, enquanto o meu destino galopa, incendiado e pueril, diante de mim.