segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Perturbação

O mundo quer ser distraído mas nós temos que o perturbar, diz Minetti, o velho actor que dá nome à peça de Thomas Bernhard. É nisto que penso enquanto me imagino caminhar, rua fora, cumprimentando conhecidos aqui e ali, observando o movimento dos cafés, a inconstância do trânsito. O céu tem nuvens cinzentas e as árvores acomodam-se, imperturbáveis na sua verdura, se a têm, e deixam os ramos oscilar ao vento, como se embalassem um filho há muito desejado. Pobre Minetti, compadeço-me, enquanto um bando de adolescentes passa imerso nos seus códigos voláteis, a arquitectar aventuras que nunca acontecerão, cegos para a velhice que neles se aninha. Quantos candidatos a perturbadores do mundo conheci? Uma ambulância passa vagarosa e oiço o correr de umas persianas. O mundo nunca foi outra coisa senão perturbação, afirmo distraído, enquanto fecho a porta da casa onde guardo as minhas opiniões sobre seja o que for.