Estava há pouco a ver os livros de um dos leilões que se
estão a tornar moda na internet, quando me deparei com uma obra em dois volumes, de um
autor russo cujo nome não é apenas impronunciável como inescrevível. A prosa
foi publicada pelas Edições Avante e tem o nome Para a Crítica da Ideologia
Burguesa. Ao vê-la, sorri. É perante coisas como esta que uma pessoa tem a
certeza que as pretensões humanas são limitadas, mesmo que o desejo seja
infinito. Apesar da crítica, e enquanto os críticos se afundavam no lodaçal do
não ser, a ideologia burguesa lá se foi aguentando, mesmo que haja quem lhe
rosne, lhe faça figas e a encha de manguitos, e de negros e irreversíveis
prognósticos. Não pense o leitor que eu tenha alegria – ou tristeza, diga-se –
nesta vitória da afrontada ideologia sobre a crítica e os críticos. Todas estas
coisas passam, como passam as borbulhas na adolescência, que tanto desespero
provocam e logo se vão. Também um dia a malfadada ideologia morrerá, velha e
abandonada, sem o conforto dos sacramentos, sem um crítico que lhe faça o
velório ou a acompanhe à última morada. E era aqui, para acabar com brio, que
deveria pôr uma citação de Virgílio sobre o tempo e a sua fugacidade, mas também
em mim o desejo é maior que as possibilidades. Vou dar uma volta, ver as vistas e apanhar sol.