As noites são caminhos abertos na planície que nos levam
para a terra da transparência. Assim comecei a história, mas logo veio a manhã
e tantos imperativos trazia consigo que esqueci o que a noite me tinha ditado. Não é
a natureza que é uma floresta de símbolos, ponderei, mas o fluxo que o sono coa
para dentro da consciência. Árvores, ruas, um pregão ouvido há cinquenta anos, a
mão que brilhou diante dos olhos e incendiou o desejo de não mais a largar.
Depois, deixamos as palavras enraizarem, cuidamos delas, trazemos-lhe água e
elas florescem, para nos acariciarem, enquanto afundamos a cabeça na almofada e
esperamos que o mundo acabe ou um rio de pétalas desagúe por detrás dos
canaviais onde se esconde a infância. Ao menos tiveste uma infância, pensei,
enquanto lavava os dentes e espreitava não sem horror o rosto que despudorado o
espelho me devolvia.