Presumia que se não era imune a constipações, era-o quase. Jactâncias
destas não perdem pela demora e o mundo, com a sua balança inexorável e o despropósito
de um adolescente, lá me pôs no devido lugar. Mal dei por mim estava a vir da
farmácia, armado com os colírios que, dentro do possível, me hão-de devolver à
normalidade. Não se pense que estou mal dos olhos. A palavra colírio fascina-me
desde que, há muitos anos, a vi pespegada na capa de um tratado político do
século XIV, de Álvaro Pais. Reza assim o título: Colírio da Fé contra as Heresias. Não interessa saber o que a fé e
as heresias têm a ver com a política, mas que a metáfora é poderosa, parece-me tão
claro quanto obscura é a tarde de hoje. Os sulcos da consciência são um dia invernoso.
Tenebrosos e imprevisíveis. Uma constipação em pleno século XXI transporta-me
para o século XIV, como se não tivesse mais nada que fazer ou em que pensar.
Janeiro há-de acabar e a minha razão talvez encontre maneira de se esquivar à
descortesia e aos agravos que sobre ela faço cair.