O sol desmaiado desta manhã de domingo faz-me lembrar o
romantismo com as suas as almas puras torturadas por paixões impossíveis. Seria
esta a luz que iluminaria os sofrimentos do jovem Werther e de Charlotte ou de
Simão Botelho e Teresa de Albuquerque. Tudo isto, porém, é literatura e a
realidade, com as suas garras de diamante, não se compadece com as minhas tendências
para o desvario. O melhor mesmo é suportar o vento frio, essa lâmina afiada que
rasga o rosto, e a claridade avara com que o dia se desdobra para manifestar,
aos olhos incrédulos, os seus segredos de polichinelo. Duas mulheres passam por
mim. Uma leva um lenço à boca e tosse, a outra fala, mas nenhuma terá sido
iluminada por um sol desmaiado num domingo lacerado pelas chagas do romantismo,
penso, talvez com injustiça. Nunca sabemos os mistérios que habitam na memória
de quem se atravessa no nosso caminho. Elas, indiferentes aos meus pensamentos,
lá seguem a sua rota sem paixão, enquanto eu espero, como quem aguarda o
autocarro, que um deus venha e me salve da inutilidade com que decidi revestir
a vida. Começa a ficar tarde.