terça-feira, 3 de setembro de 2019

A vida na província

Há pouco o calor caía em pingos grossos sobre as ruas. Há que pagar a conta de um arranjo doméstico e por isso não tenho outro remédio senão meter-me sob a intempérie bonançosa que cobre o rosto da cidade com a máscara do inferno. Entro na sede da empresa prestadora do serviço, sou recebido por uma temperatura decente e uma rapariga afável e diligente. Pago, dou o número fiscal e o email para receber, por essa via, a factura digital. Admiro o zelo e a ausência da pergunta se pretendo contribuinte. Saio, pego no carro e sou obrigado a passar pelo mercado. Hoje é terça-feira, a zona está cheia de gente e de viaturas que deslizam lentamente. Fico numa passadeira largos minutos, enquanto à minha frente flutuam os peões, com sacos na mão. Vejo pessoas conhecidas que nunca imaginei no mercado. Um dirigente político e um rapaz do meu tempo, bon-vivant e femeeiro contumaz, lá vão eles absortos e domésticos, prestáveis, reluzentes de suor, ajoujados às compras. Contribuem com denodo para a harmonia doméstica. Carros apitam, mas os peões vão na passadeira sem pressa, a pensar se terão esquecido alguma coisa ou onde deixaram o automóvel. Uma mulher jovem pára e acende um cigarro. O fumo evola-se entre os lábios e ela desaparece. Aproveito uma aberta e esgueiro-me. Tenho os vidros abertos e sinto o calor entrar para dentro do carro. A viagem será curta e evito o ar condicionado. Chego à avenida marginal e a exuberância que havia no mercado desapareceu. A garrulice que entretinha as gentes perdeu-se e a monotonia da província cresce para dentro de mim, como um punhal que procura no coração o alvo que o espera. O calor sangra pelas paredes.

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