Depois de almoço fui atormentado por uma sonolência infame. Cabeceei, adormeci por instantes, para acabar por acordar sem ter dormido. Imaginei-me dentro de um sonho, cujos contornos logo se esvaíram. O peso das pálpebras é o pior. Nada mais difícil do que a ascese da vigília. Nem a frugalidade monástica da refeição obliterou a tentação. Deveria escrever sobre a vida amputada mas não me ocorre nada que mereça ser dito. Ontem fui ao cinema. Uma plateia ansiosa esperava acção decidida, mas a obra explora a lentidão com que os sentimentos se desenham debaixo da pele para depois brotarem na sua crueza. Ao sair da sala pensei que a tensão entre pai e filho no filme é uma brincadeira sem astúcia nem engenho se comparada com a de Johan e de Henrik no último trabalho de Bergman. Por outro lado, depois de Eça ninguém, num romance ou num filme, deveria ousar trazer o incesto para o enredo. Daqui a pouco terei de entrar para dentro do reino da necessidade e esgaravatar na terra húmida das coisas que não interessam. Nem a mim, nem a ninguém. Talvez seja isso o que há a dizer da vida amputada.
Pela lentidão suponho que se está a referir ao filme português de que todos falam (li uma crítica algures).
ResponderEliminarO filme do Bergman só pode ser o Saraband, pela tensão entre pai e filho e também pelo incesto, embora este não seja entre irmãos.
E o HV gostou do filme? Acha que temos alguma hipótese de chegar aos Óscares?
🎬
Maria
O filme é, claro, A Herdade, e o de Bergman, Saraband. Quanto a Óscares nada sei. É um belo filme e vale a pena ver. Bergman, porém, pertence a outra galáxia, mas A Herdade é uma aproximação sulista a certas temáticas que percorrem a obra de Bergman.
EliminarHV