A tarde nublou-se. Presumo que se trate apenas de uma pequena trégua na grande guerra das estações. O Verão tem destes ardis e como um camaleão lança mão do mimetismo, disfarçando-se com vestes de Outono para, sem este dar por isso, entrar-lhe em casa, ocupar-lhe o território e daí lançar os seus raides mortais. Mais do que um crepúsculo dos ídolos, estamos perante um crepúsculo das estações, afirmo com a confiança de quem cultiva dogmas. Se vivesse nos dias de hoje, faltaria a Vivaldi matéria para os seus concertos mais célebres, acrescento. Há dias que não oiço os pássaros meus vizinhos. É possível que, descontentes com a vizinhança, tenham mudado de casa. Como os compreendo. Resta-me agora o arrulhar dos pombos, o matraquear das persianas embaladas pelo vento, algum latido disperso e o infinito cacarejar da humanidade que se junta numa esplanada aqui em baixo ou chama pela filharada no parque infantil. Leio uns documentos a que não posso furtar-me e penso o que sobre eles hei-de escrever. Sensato seria não escrever nada, mais sensato ainda era não saber escrever. O cume da sabedoria teria sido Tamuz ter silenciado Thoth para sempre. Agora, porém, é demasiado tarde. Aliás, é sempre demasiado tarde.
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