Toc-toc-toc. Toc-toc-toc. Há nas mãos do calceteiro que compõe a calçada junto ao parque infantil um ritmo musical que lhe orienta a técnica. Um percussionista dedicado. Sabe que a pedra se acomoda apenas com três batidas compassadas e assim vai cobrindo a terra nua, vestindo-a com a brancura do calcário. A batida compõe-se com os outros sons que vêm da rua. Uma criança arrasta um carro que arranha o cimento, as vozes murmuram alto e, mais que tudo isto, o som do silêncio que se desprende da serra. Estes sons chegam-me pelas janelas abertas e perfuram-me o sossego. Diante de mim, empilham-se documentos para ler, dados para analisar, mas nada disto é musical, nada disto tem o poder de compor uma sinfonia concertante como aquela que o acaso dos encontros compõe ali em baixo, com solistas tão inusitados. Uma voz de homem insiste sobre uma qualquer verdade que só ele conhece e as mulheres da esplanada compõem trinados cheios de segundas intenções e pequenas malícias para despertarem a curiosidade entre a assistência. Olho para o céu e penso que o sol terá perdido um pouco do seu vigor. As ilusões nunca deixam de se pagar caro, ocorre-me de imediato.
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