Entre mim e o autor destas linhas há um conflito que já nada parece poder sanar. Arroga-se a um poder exorbitante, como se eu fora um produto das suas faculdades demiúrgicas. Atribui-me palavras e sentimentos segundo o seu arbítrio, nega-me os anseios que me percorrem a alma, faz minhas pessoas e coisas que não reconheço. Obriga-me, e essa é uma palavra benevolente, a escutar o que não me interessa, como as palavras que há pouco, numa paragem de auto-estrada, dois homens trocavam sobre a cavalagem do carro que um deles tinha comprado. Uma oportunidade, dizia um e outro anuía, com a inveja a dançar-lhe nas órbitas por não ser sua a oportunidade. Eram coleccionadores de oportunidades e amantes de cavalaria. Há dias arrastou-me para um enigma leviano sobre hibiscos numa escola. Outras vezes faz-me falar de família que não tenho. Toda esta servidão gerou em mim o desejo insensato de lhe cravar no peito a lâmina afiada deste punhal que ele inventou. O que vale é que a tarde cai, despenha-se velozmente pelo crepúsculo de cinza em direcção ao abismo da noite. Engulo então o rancor que só o autor destas linhas tem o poder de fazer nascer no meu coração. Ao menos que me fizesse corajoso.
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