Enganei-me na hora aprazada para o meu encontro com a
aparência e a realidade. Cheguei à encruzilhada demasiado cedo e tive de
esperar longamente por elas. Ao voltar para casa, a Antena 2 transmitia um
programa sobre Hildegard von Bingen. Morreu há 840 anos, precisamente no dia 17
de Setembro. O locutor lembrou-se de citar um estudo de Oliver Sacks, o autor Do homem que confundiu a mulher com um
chapéu, sobre as visões da freira medieval. Seriam causadas pela enxaqueca.
Ficamos todos mais descansados, ainda bem. Saio do carro, subo meia dúzia de
degraus e abro a caixa do correio. Uma carta mas não para mim; dois panfletos
de partidos políticos, de sinal contrário, repousam um sobre o outro em terno
amplexo amoroso. Comovo-me e esqueço-me de os deitar no caixote do lixo.
Transporto-os com cuidado para casa não vão eles soltar-se e acusar-me de
interferir na sua privacidade. Agora, oiço a música da freira que sofria de
enxaquecas e deixo que o silêncio desça sobre mim. Toda a minha vida foi um
longo casamento com as aparências. Que se me perdoe a poligamia.
O HV é responsável pelo aumento das minhas rugas de expressão (vulgo pés de um galináceo qualquer) pois, para além do que aqui aprendo, também acabo sempre por me rir com gosto - desta vez foi com o terno amplexo amoroso dos panfletos... mas será que existem mesmo dois Partidos que se amam de verdade?
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Falei em panfletos. No entanto, num qualquer mundo possível que desconhecemos, haverá partidos que se amam. Casam por amor e não por interesse. Até que as eleições os separem, claro.
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