Na farmácia, venderam-me a colecção completa de medicamentos
que me prescreveram para baixar o ânimo da tensão arterial. Esta tem tendência
para exorbitar e passear pelo meu corpo a sua mania das grandezas. Como eu,
também ela é dada à hipérbole. Sofre de um excesso de retórica e de pouca
prática da virtude da humildade. Saí da botica pacificado e tranquilo, sabendo
que tenho à mão aquilo que há-de humilhar essa pretensiosa. Enquanto
calcorreava a avenida em direcção a casa lembrei-me dos primeiros tempos em que
tomei um betabloqueante. Tudo o que me aborrecia e irritava desapareceu, como
se o pequeno comprimido fosse um portal para o paraíso. Desejei que fosse
eterno o efeito, mas como em tudo na vida, também nos betabloqueantes o hábito
mata o prazer. As irritações e aborrecimentos voltaram a irritar-me e a
aborrecer-me, disse-o ao médico que me olhou com ar complacente e confirmou que
a vida é assim. Esta sólida sabedoria deixa-me sempre estupefacto,
perguntando-me como não me tinha ocorrido tal coisa. Na rua procuro as sombras
e calcorreio o passeio em passo lento. Um cão ladra, adolescentes retêm a sua
adolescência a caminho da escola e um casal entra para um carro ajoujado ao
peso da mútua presença. Não precisam de betabloqueantes, pensei.
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