As pessoas enlouquecem devagar, penso ao ver um grupo de mulheres sentadas à mesa do canto de um café cujo nome prefiro ocultar. De cabelos eriçados, zambras, o rosto cavado por rugas que nada disfarçará, fazem-se fotografar, em abandono estrepitoso, por fotógrafo de ocasião, um conhecido de há muito. Ele ainda não sabe que elas perderam a réstia de siso que as fazia, noutros tempos, calar tormentos, as dores que o ócio faz nascer em carnes secas e corações desocupados. Os homens enlouquecem de outra maneira, digo para mim mesmo. Começam a caminhar cada vez mais depressa para dentro do silêncio, até emudecerem. Então, com olhos mortiços e meditabundos, lançam olhares de suspeição para um ponto que só eles vêem. Se alguém passa por eles e os cumprimenta, nem dão por isso, tão presos à sua loucura e aos mundos que só ela ilumina. Fotografadas, as mulheres da mesa do canto entregam-se, em alvoroto, a risadas entumecidas pelo desvairo, presas aos vestidos cambados que nos protegem dos seus corpos macerados pelo tempo. A porta abre-se e entra uma mulher ainda bem longe da loucura, traz com ela uma criança de uns dois anos a quem chama Amélia, Amélia. Faz-se silêncio no café para que o nome da criança ressoe dentro da consciência dos clientes. E ele ecoa límpido, fazendo replicar as sílabas no desfiladeiro da boca da mãe. Findo o eco onomástico, o murmúrio do lugar retoma a sua rota entrecortado pelas gargalhadas de quem já nada tem a perder. O telemóvel avisa-me. Uma conhecida marca de GPS tem os novos mapas prontos. Um sinal do destino. Levanto-me e saio. Ao cruzar a porta, oiço Amélia, Amélia, mas isso já pertence a outro lugar, e não àquele que me espera e onde me preparo para enlouquecer. Há pouco ouvi a sirene dos bombeiros. Deve haver fogo por perto.
Alguns destes textos são bons - este é retorcidamente requintado, de tão contundente que é. Obrigado
ResponderEliminar(... nada bate a lucidez de quem enlouquece com vagar.)
Eu é que fico agradecido. Muito obrigado.
EliminarHV