quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Mudanças

De súbito, voltei a escutar os pássaros meus vizinhos. Julguei que se tinham mudado, mas não ou, então, foi uma nova família que aqui se instalou. Lá em baixo, uma camionete de mudanças recebe os móveis de alguém que vai procurar outras paragens. Também eu mudaria de lugar se pudesse mudar de mim mesmo. Como não posso, o melhor é ficar onde estou, até que o próprio lugar se farte de mim e aja em conformidade. A manhã declina e um silêncio apoderou-se do mundo que me envolve. Talvez se esteja numa daquelas horas em que um deus se revela ou em que os anjos, cansados de vigiarem os homens, se juntam para jogar dominó. Olho ao longe. No parque de estacionamento do hospital, os pára-brisas multiplicam os sóis, num desejo de incandescência que me parece funesto. Os pássaros emudeceram e o único barulho que oiço é o dos meus dedos a afundarem-se nas teclas. O melhor é também eu entrar na casa branca do silêncio.

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