segunda-feira, 2 de setembro de 2019

A disciplina do exagero

Há dias em que acordamos rodeados de sombras. A janela com uma discreta abertura deixa passar um fiapo de luz que embate nos objectos para os transformar em fantasmas, aqueles mesmos que saíram dos nossos sonhos. Um acto falhado deixar assim a janela, pensei. Fazemos tudo para evitar as trevas mais negras, temerosos que assaltem o coração. Somos tripulantes de um navio de cabotagem, daqueles que fazem navegação costeira. As sombras são as águas que nos indicam que a luz está já ali. Confortados por essa certeza, voltamo-nos na cama, para que um sobejo de sonolência ainda permita um ou outro devaneio. Depois, levantamo-nos e quando nos confrontamos com o espelho fazemos uma careta, para disfarçar aquilo que o aleivoso teima em mostrar. Submetemo-nos então à água lustral para nos redimirmos da noite e nos purificarmos do lixo que vive no mais fundo de nós. Ao pensar tudo isto, entro pelo dia e lembro-me de um verso: Deixai toda a esperança, vós que entrais! Rio-me da minha propensão para a hipérbole, mas o que seria de todos nós sem a dura disciplina do exagero?

3 comentários:

  1. Esse ainda não li.
    Há tantos livros importantes que ainda não consegui ler.
    A minha vida é um inferno...

    Maria

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    Respostas
    1. Inferno, mas talvez não dantesco.

      HV

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    2. Será talvez mais livresco que dantesco, mas só depois de ler o livro poderei confirmar (resumos não vale).

      Maria

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