A manhã desce a encosta do dia, um declive escorregadio, terreno pedregoso molhado pela chuva. Quando, ainda cedo, me levantei e abri a janela deparei-me com uma neblina impenitente que sufocava os prédios e o arvoredo, deixando apenas transparecer algumas sombras a lembrar velhos fantasmas exaustos, cansados pelos anos, indecisos sobre se se devem manifestar ou voltar para o tugúrio onde abrigados da intempérie se escondem aos olhos dos mortais. Isto era a primeira manhã, depois como sempre acontece tudo mudou com o passar das horas. Nuvens mais escuras deslocam-se sob a vigilância de outras mais claras. Talvez seja o contrário, são as esbranquiçadas que se movem dando a ilusão do oposto. Quantas vezes, estando num comboio parado, pensei estar a deslocar-me iludido pelo movimento de um outro que se tinha posto em marcha. Demorava sempre alguns segundos até perceber a ilusão sensorial. A essas ainda as fui detectando, as outras, as ilusões decisivas e sob o efeito das quais nunca deveria viver, nunca tive o poder de as desfazer. Visto-as como se fossem a farda do exército em que milito. Têm a vantagem de nunca envelhecerem e de não passarem de moda. Um raio de luz fende o vidro da janela, anunciando a hora em que o meio-dia chegará. São parcos os poderes que me foram conferidos e escassa a virtude que cultivo.
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