Dentro de mim há uma enorme sombra. Faço dela a casa de onde raras vezes saio. Vejo o mundo por uma janela e aquilo que nele se passa cada vez me interessa menos. Demorei muitos anos a ligar a comédia humana ao que Aristóteles disse da comédia clássica, mas isso são contas de outro rosário, pelo qual já ninguém ora. O dia passou e é o que tenho a dizer dele. Não se trata de escassez de imaginação, mas penúria de realidade. Vivo cercado de pessoas cheias de realidade. Habituei-me à condição de ilhota nebulosa perdida num oceano vigoroso, a transparecer certezas e particular inclinação para a exuberância da felicidade. Mares destes, sempre navegados, cansam-me. A noite chegou, uma ambulância cavalga pela estrada em direcção ao hospital e tanta realidade é insuficiente para me sequestrar à ruminação que crepúsculo abriu em mim. Já é tarde, digo e volto os olhos para o lugar onde a escuridão nasce.
Sem comentários:
Enviar um comentário