Quando, depois de acordar, espreitei pela janela, o dia
estava vestido como se fora o feriado de Todos os Santos. Fiquei a olhar o céu
carregado de cinza escura, que logo desabou em chuva grossa e pensei na sábia
decisão de criar esse dia santo de guarda em honra de todos os santos e
mártires conhecidos e também daqueles que são desconhecidos. Passados instantes
já o pensamento se desinteressava do exército dos santos e mártires e
acompanhava o voo rápido de um corvo que se atreveu a passar de uma para outra
árvore. A tarde, resolvi-me então, dedico-a à leitura de Jean Bodin, não aos Seis Livros da República, tão pouco a O Teatro da Natureza Universal, mas ao
mais prosaico Da Demomania dos
Feiticeiros. Será que os demónios transportam os feiticeiros em corpo? Será
que estes conseguem transformar os homens em animais? São perguntas destas,
para minha perdição em vida, que me movem a curiosidade. Chegada a tarde,
faltou-me a vontade para perscrutar tais arcanos e deixei em paz os feiticeiros
e os demónios com que aqueles andam mancomunados. Aliás, um almoço pouco frugal
tirou-me qualquer interesse pelas opiniões do senhor Bodin, que foi levado
desta vida em 1596, não por um feiticeiro nem por um demónio, mas pela peste
negra. Neste momento não chove. O sol assoma aqui e ali, mas o dia não deixou
de lado a roupa de Todos os Santos. Vou sair para ver o que acontece.
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