Hoje li um poema que começa assim Já o gargalo das pedras
adormece e fiquei mais tempo do que devia sem saber o que fazer com aquele
verso. O poeta, dir-me-ão, pratica o desvio porque esse será o seu ofício. O
meu, se é que se pode chamar ofício, fica-se pelo perscrutar da noite, olhá-la
no fundo dos olhos para que surpresa revele os seus segredos. Ela porém sorri e
olha-me com benevolência e segue o seu caminho, respeitando as estritas regras
da gramática que governam o dia e a noite, a passagem das semanas, o devir
compassado das estações. O mistério da noite é como o das palavras.
Compramo-las presas a um significado, mas se as olharmos longamente, começam a
emancipar-se e tornam-se mariposas descuidadas que o vento, à falta de peso,
arrasta para onde quer. Hoje escrevi centenas ou milhares de palavras, todas
elas pesadas de sentido, todas elas inúteis como uma bóia de salvação nas
areias do deserto.
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