terça-feira, 8 de outubro de 2019

A passo

Antigamente conhecia por aqui vários loucos. Tinham enlouquecido lentamente, uns, outros eram-no desde sempre ou foram vítimas fulminantes de um esgotamento, como se dizia na altura. Não sei se fui eu que me afastei do local por onde eles deambulavam ou se foi a morte que os livrou da sua loucura. Sei que eram estimados e enquadravam com recato na paisagem social. Talvez fossem um espelho para nos certificarmos que fazíamos parte do grupo que ainda não tinha endoidecido. Hoje, ao passar pela avenida, deparei-me com um que não conhecia. Caminhava depressa e imitava o trote de um cavalo, enquanto com um pingalim batia na própria perna dizendo nada de galopes, nada de galopes. Segui-o com os olhos, até que ele se perdeu no horizonte ensolarado, escondido entre a sombra dos transeuntes que o olhavam com desconfiança. Parei e uma estranha deliberação tomou conta do meu cérebro. Estava na dúvida se deveria seguir a trote ou a galope para o sítio que me esperava. A hesitação demorou uns instantes. A passo, disse-me, até por que me falta o pingalim para me fustigar na perna e apressar o andamento.

2 comentários:

  1. Boa escolha, HV.
    Só com duas pernas e sem pingalim, a melhor opção é mesmo ir a passo :)
    Além disso, a vida já nos fustiga bastante...
    Quarta feliz.

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