Ontem estava um belo dia de sol. Passeei no jardim da Parada
com o meu neto ao colo, depois de ele ter sido submetido à provação de comprar
a roupa com que vai ser baptizado. Como os baloiços do parque infantil estavam
ocupados e havia gente à espera, andámos a mexer nos troncos das árvores. Desde
cedo se deve compreender a rugosidade do mundo e que uma parte da beleza vem dela.
Depois, cansado de experimentar a realidade, trocou-me pela mãe. Hoje não tenho
neto, nem estou em Campo de Ourique, nem está sol. Oiço o ronco de uma moto,
cujo proprietário deve contribuir para que os portugueses tenham o QI mais
baixo da Europa Ocidental, e contemplo a luz flébil que se desprende do céu,
como se uma elegia descesse das nuvens. Aguardam-me algumas horas de
escrita de coisas inúteis, uma especialidade em que tenho o meu melhor
desempenho. Tornei-me um especialista em inutilidades e, fique claro, não é
pretensão minha possuir outra qualquer especialização. Podia ir ler a primeira elegia
de Duíno, à qual há dias alcunhei sub-repticiamente de ode, mas há coisas muito
mais inúteis que aguardam com dentes afiados o meu tempo. É a distância que vai
da ode à elegia.
Bonito isso de andar a sentir as texturas das árvores com a criança, alguma coisa ficará.
ResponderEliminar~CC~
Espero que sim. Talvez todas as experiências fiquem inscritas na memória e formem uma reserva de que as pessoas se sirvam sem terem consciência dela.
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