Na escola aqui ao lado, o seu grupo de baile persiste em
ensaiar canções que fizeram furor há mais de vinte, trinta ou quarenta anos.
Esta obstinação pelo passado não deixa de ser comovente e faz-me lembrar as
pessoas que, quando era adolescente, tinham a idade que eu agora tenho. Também
elas estavam presas a músicas incompreensíveis, sons que pareciam vir de um
planeta distante, e nas quais tinham um prazer que era para mim um enigma. A
ideia do eterno retorno do mesmo acabou de me tentar. Resisto à tentação,
enquanto, vindo de fora, oiço menina que estás à janela com o teu cabelo à lua.
Hoje já não há meninas à janela e os cabelos à lua, também andam ao sol e à
maresia do crepúsculo. Dói-me a garganta, recorro a um spray. Logo tenho uma
cerimónia à minha espera, embora eu não a esperasse, nem a ela nem a qualquer
outra coisa. O carro avariou-se de manhã e tenho de ir ver se já o posso ir
buscar. Uma chuva fina diante da janela faz-me lembrar o fumo que se evola dos carros
dos assadores de castanhas, mas é só água a descer dos céus. Uma bênção, oiço
dizer.
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