quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Contemplação e pontos Cardio

Com tantos tortos por endireitar e o mundo tão fora dos eixos, e eu sentado à secretária a pensar coisas que não hão-de salvar ninguém. Foi o que me ocorreu quando dei comigo a olhar com demora a Adoração do Cordeiro Místico, do retábulo de Ghent, uma obra dos irmãos van Eyck, agora restaurada. Se pensarem como motivo da minha contemplação os olhos humanos do Cordeiro ou o jorro do sangue do seu corpo para o cálice, estão enganados. O que me retém é a ordem perfeita com que os adoradores são dispostos na adoração, não tanto porque essa ordem seja uma convenção cristalizada dos poderes sociais, mas antes o resultado da própria natureza mística da figuração simbólica do Cristo. Meu Deus, um dia destes ainda me torno um erudito. Não devia dizer estas coisas, pois contrariam a vulgata social que hoje faz de cartilha maternal pela qual todos aprendem a ler o que se passa por aí. Recebo uma mensagem. A aplicação que me controla o exercício diz-me que está tudo OK!, com exclamação para enfatizar a situação. Depois percebo que é um estratagema reles para motivar-me a estar ainda dezassete minutos activo e obter mais um ponto Cardio. Desconfio que se obtiver todos os pontos Cardio em jogo ganho uma viagem a Ghent, mas talvez o mundo não funcione segundo as minhas conjecturas e, mal faça uma, ela receba imediata refutação. Uma outra mensagem põe-me perante um dilema, plausivelmente falso. Será a amizade um sentimento ou uma virtude? Para piorar as coisas, alguém que desconheço, de um país do leste europeu, pede-me amizade. Não lhe consigo pronunciar o nome. Ainda bem que não é um pedido de casamento, pois os meus pontos Cardio não seriam suficientes para tamanha comoção.

Sem comentários:

Enviar um comentário