sábado, 25 de janeiro de 2020

Exercícios melancólicos

Ser avô não é um dado, mas um exercício difícil e persistente. Depois de um mês de afastamento, o meu neto esteve comigo. Olhou-me com olímpica distância. Nos seus catorze meses mal condescendeu em estar ao meu colo, embora lhe agradassem certas cabriolices que fazem parte do repertório que qualquer avô tem para lidar com netos renitentes. Preferiu fazer explorações solitárias. A certa altura descobriu umas pequenas pinhas que eu nem sequer sabia existirem. Achou que as poderia partilhar comigo. Dava-me uma, esperava que eu a devolvesse e colocava-a onde estava. Recomeçava de imediato o jogo. Foi-se embora há pouco e deixou um buraco no meio do sábado. Deveria remendá-lo, mas uma preguiça ancestral insinua-se em mim e prende-me a coisas triviais. Depois de uma manhã ocupada, deveria ir à rua e comprar o jornal de fim-de-semana. Há uns anos tinha uma verdadeira obsessão pela imprensa hebdomadária, comprava uns quatro semanários. Depois, alguns foram morrendo, outros mudaram de sexo e mesmo o que resistiu perdeu a aura sagrada que tinha naqueles anos. Hoje olho com condescendência para a prosa que se produz. Se a leio é por desfastio, muito longe do entusiasmo com que no final da adolescência ou início da juventude comecei a comprar os meus jornais. Ó miséria, lembrei-me que o primeiro jornal que comprei com devoção foi o Motor, naqueles anos em que as corridas de automóvel faziam parte do imaginário de uma adolescência à procura de rumo, como todas as adolescências. Agora sou avô e há muito que morreram em mim os ecos da luta entre Jackie Stewart e Emerson Fittipaldi, entre os Tyrrell e os Lotus.

2 comentários:

  1. Esses buracos são terríveis e muito difíceis de preencher.
    Tempos houve em que eu também não dispensava os semanários, especialmente o do saco de plástico.
    E também o Público às sextas (por causa do Mil Folhas, depois ípsilon) e o DN aos domingos (por causa do Dna).
    Bons tempos em que havia bons suplementos literários...

    Bom resto de domingo.
    🌹
    Maria

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    1. Nunca fui um comprador do DN. Do Público, sim. Ainda hoje sou assinante online. Quanto aos semanários, os dois principais eram O Jornal e o Expresso. Também comprava o Tempo e o Independente. Também o Semanário, mas já não sei em que altura, nem qual destes três faziam grupo com os outros dois. Era uma visão de largo espectro, digamos assim.

      Um boa semana

      HV

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