terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Maldita realidade

O contacto com a realidade torna-me estúpido. Quero dizer mais estúpido do que estava programado nos meus genes e estes já continham uma dotação generosa de estupidez. A realidade é uma coisa tecida de fantasias, ilusões, jogos perversos, ideias gratuitas, pensamentos fúteis, acções vãs e o mais que não tenha pés nem cabeça. Quando tudo isto é misturado forma-se uma solução aquosa que faz lembrar um oceano revolto, continuamente alimentado por um turbilhão de coisas insensatas. Como num sonho caio lá dentro e farto-me de esbracejar para não ir ao fundo. Sou salvo pelo despertador. Encho os pulmões de ar, digo maldita realidade e tento recompor-me. O que quererá dizer esta alegoria, perguntará o leitor. A partir de certa idade começa-se a divagar e perde-se a capacidade de falar claro. Conheço casos mais radicais que o meu. Gente que começou a diminuir o número de palavras que usa. Os melhores chegaram ao silêncio. Não perguntam, não respondem, não dizem. Só abrem a boca para comer, beber e bocejar. Foram directos ao assunto e, em vez de divagarem através de alusões inócuas e destituídas de sentido, calaram-se. Eu ainda preciso de emitir sons, embora quem os ouve há-de julgar que rifei a razão numa quermesse de festa de aldeia. Talvez não esteja completamente fora da verdade.

2 comentários:

  1. Calar o ruído (o de fora e o de dentro) e dormir sem sonhar. Só descansar.
    Acabada de chegar a este lugar. Estou a descobrir. Acho que me vou demorar.

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