Tenho estado a ouvir o Helicopter
Quartet, de Karlheinz Stockhausen. Se tivesse sido bafejado com algum tino,
deveria abominar a obra, mas Epimeteu, quando chegou a minha vez de receber os
dotes que restavam para os seres humanos, não encontrou a bolsa onde guardara o
tino e despachou-me mesmo assim. Não há Prometeu que me valha. Estou com
dificuldades de acertar com o dia da semana, parece-me, pela tristeza das ruas,
que hoje é segunda-feira. Não sei bem por que razão, mas estou a começar a
embirrar com a designação numérica do ano. Esta duplicação do vinte parece-me
uma redundância inútil, já bastam as minhas iterações, pleonasmos, repetições e
tautologias. Cheguei tarde para a duplicação do dezanove e demasiado cedo para
a do vinte e um. Cada um tem a duplicação que merece. O efeito de ouvir Stockhausen
é este tipo de discurso desconexo, com um certo laivo esotérico, como se
tivesse sido convidado para uma loja maçónica. Não fui. Acabado o Helicopter Quartet, passei para os Hymnen. Os ruídos do mundo são a música
das esferas celestes, ocorreu-me, antes que tivesse tido tempo de me
autocensurar. Já não me lembro se nos desejos de passagem de ano – aquela coisa
que deve acompanhar o mascar das passas de uva – incluí ter um pouco mais de
sensatez. Tenho de consultar algum especialista no assunto para saber se os
desejos esquecidos se mantêm válidos após a falência da memória. Talvez ainda haja
esperança.
Espero que não tenha incluído a sensatez nessa passa de ano novo, um pouco de loucura faz bem. Bom ano!
ResponderEliminar~CC~
Desconfio que não, mas nunca se sabe com a rapidez das badaladas.
EliminarUm bom 2020.
HV