Hoje acordei tarde e durante o pequeno-almoço senti que o estado do mundo me obsidiava. Enquanto comia, olhava a paisagem envolvente. Estava serena, apenas uma leve neblina toldava o sol. A escola aqui ao lado, o hospital mais ao longe, até as fumarolas habituais numa aldeia da serra ocupavam o lugar que é o seu. O estado do mundo, porém, não deixava de me assediar o pensamento. Tive de respirar fundo e lembrar-me de que a minha vocação não é a de salvador. Isso tranquilizou-me. Quando me sentei para escrever, estava apaziguado, embora pressinta no ar uma cólera esparsa, que se solta em borbotões e corre avulsa por mentes infectadas por algum tumor. Há pouco, bandos de crianças invadiram o parque infantil. Gritavam palavras que não consegui perceber, depois foram arrastadas para o lugar de onde tinham vindo e o silêncio cresceu emparelhado com a sombra projectada pelos cedros do pequeno bosque mais ao longe. Uma sirene anuncia que nos aproximamos da uma da tarde. Os dias são pequenos barcos a deslizarem rápidos, arrastados pela corrente turbulenta do tempo. Não há nada como metáforas mortas, pensei ao acabar a última frase. Não fora a morte das metáforas e ninguém se entendia. Talvez aquilo que me preocupava no estado do mundo fosse apenas o excesso de metáforas vivas em circulação. Há que enviar exércitos bem armados e matá-las sem dó nem piedade. Chegámos a sexta-feira, a esta, e não tenho palavras para o desconsolo.
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