A melancolia da manhã encheu a cidade com pequenos farrapos
de tristeza, vestígios de um Inverno que, passados os dias de chuva lacrimosa,
se negou a si mesmo, parecendo em ânsias para se tornar numa Primavera
exuberante nos seus rebentamentos. Ao longe, num campo de jogos, adolescentes
entregam-se ao futebol, jogo para que parecem ter uma infinita capacidade de
reinvenção, traçando regras que o momento exige, galgando por cima delas de
seguida, se atrapalham. Oiço o ronco de uma moto, um ronronar monocórdico
perfurado por rápidas acelerações, onde o motor guincha numa estridência de
irritar o mais indiferente dos homens. Dos homens e das mulheres, deveria
escrever, pois também as há envoltas no manto ondulante do epicurismo, com o
qual saem à rua, cultivam o seu jardim, e se abstêm das convulsões que um
excesso de pathos traz à vida. Conheci
algumas que se lavravam assim na vida, cujos casamentos se fizeram felizes por
imperturbados pelo ímpeto da paixão, mas devo abster-me da inconfidência, um
vício que a razão condena sem remissão. Em cima do muro da escola aqui do lado,
um gato pardo caminha devagar, tranquilo, sem exuberâncias de trapezista,
também ele um cultor secreto de Epicuro. Pára, agacha-se e fica especado a
olhar um alvo invisível. Arqueia o corpo e logo desce para o lado de lá,
desaparecendo da minha vista para entrar no jardim que o espera.
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