terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Um estóico falhado

Cheguei à tarde desta terça-feira irritado e irritado com a minha irritação. Deveria ter entrado no clube dos estóicos e entregar-me à apatheia. Olhar com indiferença olímpica os acontecimentos que, por vezes, me acontecem e deixar o mundo correr para a foz, sem julgar ter o dever de lançar bóias aos náufragos que encontro. As Parcas, porém, não me quiseram ver perdido entre gente que se entregava a tal filosofar, arrancaram-me da sombra do pórtico pintado e, no seu sábio julgamento, determinaram que no meu lote também cabe a irritação. Quis enganá-las e a conselho médico comecei a tomar um betabloqueante. Pensei, na minha ingenuidade, ou estupidez, conforme as opiniões, que tinha, ainda em vida, entrado no paraíso pela porta da química. Não havia irritação que me chegasse. Nestas coisas, a história tem sempre desenvolvimentos que estão ocultos aos protagonistas. Os betabloqueantes deixaram de betabloquear as irritações e o paraíso foi dando lugar ao purgatório e, agora, ao inferno. Eu sei o que o leitor está a pensar. O inferno são os outros. É verdade, se crermos nas homilias de Sartre. Eu não tomo partido sobre elas. Oiço o ruído irritante de um aspirador e penso comigo que deveria falar com essas Parcas ou Moiras, caso esteja mais inclinado para o grego do que para o latim. Depois, achei melhor não as irritar e deixá-las longe de mim. Esperam-me horas de grandes inutilidades e isso realiza-me profundamente. Fosse eu um estóico e tudo me seria indiferente. Bastava adequar-me à natureza. Estaria irritado, mas feliz.

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