Cheguei à tarde desta terça-feira irritado e irritado com a
minha irritação. Deveria ter entrado no clube dos estóicos e entregar-me à apatheia. Olhar com indiferença olímpica
os acontecimentos que, por vezes, me acontecem e deixar o mundo correr para a
foz, sem julgar ter o dever de lançar bóias aos náufragos que encontro. As Parcas, porém, não me quiseram ver
perdido entre gente que se entregava a tal filosofar, arrancaram-me da sombra
do pórtico pintado e, no seu sábio julgamento, determinaram que no meu lote também
cabe a irritação. Quis enganá-las e a conselho médico comecei a tomar um
betabloqueante. Pensei, na minha ingenuidade, ou estupidez, conforme as
opiniões, que tinha, ainda em vida, entrado no paraíso pela porta da química.
Não havia irritação que me chegasse. Nestas coisas, a história tem sempre
desenvolvimentos que estão ocultos aos protagonistas. Os betabloqueantes
deixaram de betabloquear as irritações e o paraíso foi dando lugar ao
purgatório e, agora, ao inferno. Eu sei o que o leitor está a pensar. O inferno
são os outros. É verdade, se crermos nas homilias de Sartre. Eu não tomo
partido sobre elas. Oiço o ruído irritante de um aspirador e penso comigo que
deveria falar com essas Parcas ou Moiras, caso esteja mais inclinado para
o grego do que para o latim. Depois, achei melhor não as irritar e deixá-las
longe de mim. Esperam-me horas de grandes inutilidades e isso realiza-me
profundamente. Fosse eu um estóico e tudo me seria indiferente. Bastava
adequar-me à natureza. Estaria irritado, mas feliz.
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