terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Pobre Katharina

Passo os olhos pelos jornais e descubro que cinco pinturas roubadas há quarenta anos na cidade alemã de Gotha tinham sido recuperadas. Entre elas encontra-se uma de Hans Holbein, o Velho, que o jornal indicava ser Santa Catarina, um quadro de 1509. Havia naquela mulher uma tal tristeza que duvidei que se tratasse de alguém tocado pela graça da santidade. É o retrato de Katharina Schwarz, onde no lugar da beatitude se encontra uma infelicidade resignada com o mundo e consigo mesmo. Procurei outros retratos de mulheres do mesmo Holbein. Neles há sempre um elemento desconcertante, como se a beleza tivesse sido proibida àquelas mulheres e lhes restasse apenas o ar austero para assegurarem um lugar no mundo. Exceptua-se uma representação de Maria, onde o amor pelo Menino a resgata dessa rispidez fria e lhe dá uma beleza contida e secreta. Olho pela janela e descubro que sob a copa das árvores do pequeno bosque consigo avistar uma rotunda cuja estatuária, tão do agrado popular, me faz lembrar as soturnas representações do realismo socialista. Sorrio e volto os olhos para a infeliz Katharina. Apesar da beleza das mãos, a imperfeição do rosto rapta-a e cerra-a num mundo de onde nenhum príncipe, mesmo de gosto plebeu, a há-de resgatar. Na rotunda, os carros circulam devagar, talvez em contemplação, enquanto a minha memória me traz, sem que eu saiba a razão, um filme alemão visto há uns anos com o estranho nome Adeus, Lenine! Pobre Katharina, pensei.

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