Acordei cedo e acabei por ir caminhar pelas ruas. Fiz seis
quilómetros para ir de casa e chegar a casa. Sou dado a coisas inúteis como
deslocar-me para chegar ao mesmo sítio. Fora eu bafejado pela lotaria genética
e evitaria humilhações destas. Quem se desloca quer ir de um sítio para o
outro. Como nunca soube a onde queria chegar acabo sempre, por mais que me
esforce a andar, por ir dar ao sítio preciso em que me encontrava. Nisto
sinto-me próximo dos pilotos e fórmula 1. Andam ali às voltas no circuito, a
velocidades estonteantes, a vida em risco, para chegarem à meta de onde
partiram. Eu sou como eles, mas não uso carro e ando devagar, pois se é para
chegar ao mesmo sítio, ao menos que demore mais tempo possível. O jornal que
costumo ler substituiu o ranking do
coronavírus pelo ranking das escolas.
Em ambos se faz notar o desejo de uma vacina que trate as viroses que por aí
proliferam. Estou ensonado. Por desfastio abro uma gramática de língua
portuguesa e deparo com a belíssima denominação complemento oblíquo. De todos os complementos, o que mais amo é
este. O que são, ao pé do oblíquo, os complementos directos, indirectos e
agente da passiva? Nada. Só o oblíquo me faz pensar na chuva oblíqua e leva a
minha mente, como se entrasse em transe místico, a recitar arrebatada Atravessa esta paisagem o meu sonho dum
porto infinito / E a cor das flores é transparente de as velas de grandes
navios / Que largam do cais arrastando nas águas por sombra / Os vultos ao sol
daquelas árvores antigas... E aqui está o problema que é o meu. Se em vez
de andar a pé viajasse num navio, num veleiro, num grande transatlântico,
haveria de sair de um porto e ir dar a outro e tudo faria sentido, mas a água
não é o meu elemento e assim sou coagido a viajar por terra para chegar ao
lugar onde estava. Dias como os de hoje parecem-me funestos para a sanidade
mental. A semana foi terrível e, na verdade, fartei-me de trabalhar para fazer
aquilo que tinha feito. O que me salva os dias é o complemento oblíquo, mas
perde-me o olhar oblíquo que me deitam por não ter vergonha de escrever inanidades
e publicá-las. São o retrato da minha vida, a minha verdade, o que mais posso
fazer? Hoje é sábado, dia 27 de Junho. Os dias estão a encolher e ninguém
protesta. Oiço um galo a anunciar a aproximação da derradeira etapa do dia. É
inverosímil, mas mesmo numa cidade se podem ouvir galos. A gramática mostra-me
uma frase monstruosa e começo a temer se não encontrarei nela um exemplo
extraído destes textos. Tenho de ir comprar um candeeiro para ligar à ficha USB
do computador e uma extensão para me ligar à realidade.
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