Pobres orquídeas, deu-lhes o trangolomango. Não, o que lhes
deu foi mesmo o tanglomanglo. Para não faltar à verdade aquilo que muitas vezes
ouvi foi coitado, deu-lhe um tranglimango e foi-se desta para melhor. Aliás, é
a forma sonora mais agradável, mas nenhum dicionarista, nem o Houaiss, se
dignou vir aqui, a este nobre rincão, para registar o uso da corruptela. Seja
como for, alguém deitou um feitiço às orquídeas e elas perderam a cabeça.
Começam a despir-se, em sessões de strip-tease,
como se o friso onde habitam fosse um cabaret.
Já as intimei a comportarem-se, mas elas olham-me com olímpico desprezo e
deixam cair, com ademanes desapropriados, mais uma flor. Isto levanta um problema
filosófico dos mais difíceis, o da relação entre o mal moral e o mal natural.
Muito se discutiu sobre a ligação entre os desmandos da natureza, terramotos,
furacões, epidemias e outros, com a maldade humana, a imoralidade com que os homens
conduzem as suas vidas. Chegou a supor-se que a maldade da natureza era um
castigo da maldade dos homens, mas ao olhar o desaforo das orquídeas percebe-se
que o problema é mais complexo e que a própria natureza possui uma propensão
para a imoralidade que convém castigar, embora não se saiba quem aplicará tal
punição. Ao olhar para o que está escrito perguntei-me se o acentuado arrefecimento
nocturno terá alguma influência no meu estado mental, na decomposição de que o
texto é um sintoma a não desprezar. Ando há dias para me lembrar do nome de uns
arbustos de jardim que dão umas flores assalmonadas e viscosas, é o que me
parece, e que polvilham a escola aqui ao lado. Não consigo. Presumo, ao olhar
para a minha agenda, que o dia não vai ser fácil. Na secretária estão
umas moedas que, esquecidas num bolso, foram à máquina de lavar. Das
sete, apenas três são portuguesas. Um euro alemão e outro espanhol, vinte
cêntimos franceses e dez cêntimos holandeses. Talvez a União Europeia seja
isto, a possibilidade de andar com moedas vindas sabe Deus de onde e de as lavarmos
na máquina, para as purificarmos e evitarmos que se transformem em orquídeas
dadas ao strip-tease. Hoje é terça-feira,
dia 16 de Junho. O sol desce vagaroso sobre os telhados do casario, tomado por
uma anemia que nos protege dos seus furores. Na rua, há gente a conversar e no
telhado do prédio em frente dois pombos imitam anjos prontos para se
precipitarem na balbúrdia humana. Como sempre, nada de novo sob o Sol.
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