Junho aproxima-se rapidamente daquele ponto em que começará
a declinar. Tem sido uma árdua ascensão ao cume, mas cumprida a etapa a
velocidade da descida irá crescendo paulatinamente até que o mês se despenhe no
abismo negro de onde não há retorno. Deveria ter começado este texto de outra
maneira. Um pássaro canta e eu oiço-lhe o linguajar sem que dele perceba a
mensagem. Outros respondem-lhe numa conversa secreta sobre o rumo do mundo.
Para as aves, o mundo é diferente do nosso. Preocupam-se com os ares e a sua
atenção à terra é, por certo, menor que aquela que lhe damos. Consta que a
espécie humana anda muito preocupada com a questão das estátuas. Uns erguem,
outros derrubam e quando os que derrubam erguem as suas, haverá outros que as
derrubarão. Imagino que estes tempos de pandemia tenham diminuído as
possibilidades de ocupação humana e, sem que fazer, a humanidade preocupa-se com
estátuas. Faz sentido, pois elas são como espelhos que nos reproduzem e, como
os malditos espelhos que multiplicam a humanidade, isto é a citação de uma
citação apócrifa, elas mostram-nos a nossa horrível carantonha. Para me
disfarçar, saí à rua não de máscara mas de panamá, se é que aquilo que pus na
cabeça pode receber tal nome. Comprei-o o ano passado à porta de uma praia do
Algarve. Vendiam-nos a dez euros. Todos iguais, fabricados numa república
popular asiática e todos de papel. Pensei que no fim daquele dia teria de o mandar
reciclar junto com os jornais e o cartão. Enganei-me. Usei-o hoje e tem ar de
que ainda resistirá a mais uma dúzia de usos. O almoço será mais tarde, uma
honra concedida ao Santo António por injunção das minhas netas. Já enfeitaram o
lugar do repasto e cheira a sardinha assada. Leio o boletim epidemiológico como
se lesse o meteorológico. Apesar do sol, o tempo está longe de ser benevolente.
Continuam os raios e os coriscos. Hoje é sábado, dia 13 de Junho. O mundo
caminha desatinado, mas isso não é uma novidade. Sento-me e olho o espectáculo
sem presunção de compreendê-lo. Fui educado na terrível tradição daqueles que
vão ao estádio não para competir nem para fazer negócio, mas apenas para ver.
Também esta frase é o resultado de uma citação apócrifa, tal como eu.
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