Hoje é um dia de difícil gestão, como o vão ser os próximos.
Ainda por cima a herança genética recusou-me a inclinação para gestor, de tal
maneira foi veemente a recusa que nem inveja sinto por quem é CEO – consta que
significa chief executive officer e é
uma das novas fontes de poluição da linguagem – quanto mais por quem não passa
de simples gestor de produto. Não tenho alma de pastor nem de pai dos povos. Eu
sei que todas estas metáforas vêm de lugares diferentes, mas no fundo
assemelham-se, apenas as cores originais as distinguem, mas cor é coisa que
facilmente se muda. Ainda não pus um pé na rua. O dia está melancólico, talvez
pela aproximação do solstício. A Primavera exausta caminha em direcção ao Verão
e, não tarda, os dias começarão a declinar, dando lugar a noites cada vez
maiores, mais negras, mais opacas. Ontem, quando cheguei, havia uma grande
confusão no friso das orquídeas. Flores tombadas, folhas cobertas de uma
viscosidade doentia, um ar de abandono. Uma, completamente despida, parece que
não resistirá. Oiço vozes na rua, vozes como antigamente se ouviam. Não percebo
o que dizem, mas pela toada trata-se de conversa pacífica, algumas asserções sobre
a vida, uma experiência que se narra para edificação de quem escuta, talvez um
desfiar de velhas máximas entrecortadas por comentários. Apesar do vírus não se
entregar, as coisas do mundo vão voltando com os seus dramas e as suas
comédias, sendo uns o reverso das outras. Deveria dormir uma sesta para
compensar as horas em que durante a noite o sono me abandonou. Hoje é
segunda-feira, dia 15 de Junho. À meia-noite, o mês terá completado metade da
sua existência, mas não encontro préstimo para esta informação, como não o encontro
para quase todas as outras. As pálpebras, pesadas, podem-me que as deixe
fecharem-se, mas eu pergunto-lhes se me julgam espanhol. Elas recuam no pedido
e atarantadas deixam-se ficar entreabertas, para que os olhos vejam o que está
diante deles, mesmo que eu não perceba o que é.
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