Hoje é o primeiro dia de Verão e a temperatura já ousa
passar os 30 graus, prometendo escalar o conflito nos próximos dias. Tenho de
imaginar estratégias de autodefesa, mas ando demasiado ocupado e não tenho
tempo para frequentar o von Clausewitz e o Sun-Tzu. Comecei a trabalhar ainda
antes das nove da manhã e tenho uma tarde e noite dedicadas ao culto das
necessidades. Ontem fiz uma caminhada à noite. A cidade e o movimento eram
iguais aos de outros tempos. Uma pessoa caminha furtiva entre sombras, deixa-se
guiar pelo hábito e vai olhando para o que acontece. Uma vez por outra, lá
passa um viandante ou então alguém que ainda não tem vergonha de correr em
público. Um grupo de jovens em quase pós-adolescência faz umas acrobacias de
bicicleta, fendendo a noite com o seu gargalhar cheio de incertezas. Depois, as
trevas tomaram conta do mundo. Hoje ainda não espreitei a avenida, desconfio
que as pessoas se preparam para os almoços em família, caso a tenham. De resto,
o vento eriça as folhas das árvores, fá-las tremer e ondular, enquanto as
sombras se escondem debaixo das copas e a luz dá uma coloração de antimónio ao
verde cinza das oliveiras. A minha mente parece um depósito vazio, mas não vale
a pena enchê-la, de tão esburacada que está. Hoje é domingo, dia 21 de Junho.
Leio nos jornais que a polícia tem agora uma nova função, a de dispersar as
pessoas que se juntam às centenas talvez com a esperança de se infectarem e de
lançar o país no caos. Não há nada como medo, pensei. Estás pouco iluminista
hoje, disse-me o daimon que vive em mim. Pois estou, talvez nunca tivesse
acreditado muito no progresso da razão e da moralidade humana. Calo-me, antes
que me torne um reaccionário adepto do absolutismo e o texto comece a tornar-se
desmesurado.
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