Cheguei a meio da tarde sem nada para narrar. Sou um
narrador digno de compaixão. Se tivesse competência, mesmo a um domingo
encontraria uma gesta para descrever, uma situação épica para partilhar, uma
tragédia para contar. Bem me esforcei. Saí de casa, caminhei, fui a um café,
depois fui trocar um candeeiro que tinha comprado, mas que não funcionava. Este
episódio não seria destituído de mérito, pois acabei por não o trocar, já que
funcionava na perfeição, só que, motivado por não ter os óculos ou pela
estupidez natural que me saiu em sorte, não li a inscrição ON/OFF. O vendedor e
eu rimo-nos, ele com vontade de me chamar idiota, eu com vontade de corroborar
o pensamento dele, mas o comércio é uma coisa civilizada. Ele não perderá nada
em evitar dizer o que pensa e eu lá hei-de voltar para comprar outro candeeiro,
só para mostrar que, apesar de idiota, sou um aprendiz esforçado e que à
segunda tentativa consigo pô-lo a acender e a apagar, mesmo sem óculos, mesmo que
lá esteja escrito ON/OFF. Isto, porém, não dá uma epopeia, nem uma tragédia e
para comédia o enredo é curto. Também é verdade que cheguei muito tarde ao
mundo. Tudo o que era digno de ser narrado já o foi. Resta sentar-me na
varanda, acender um cigarro, apesar de não fumar, deixar o fumo enovelar-se e
subir aos céus como se fosse incenso, enquanto pássaros e anjos voam de um
telhado para o outro. Na praceta passa alguém que conheço bem, mas fico grato
por estar onde estou e de não ser visto. Hoje é domingo, dia 28 de Junho.
Celebram-se 182 anos que Vitória foi coroada rainha de Inglaterra, ela que se
chamava Alexandrina Vitória. Há 106 o arquiduque Francisco Fernando, príncipe herdeiro
do império Austo-Húngaro, foi assassinado, o que contribuiu para o início de
uma ampla carnificina a que, posteriormente, se deu o nome de primeira guerra
mundial. Ainda no dia de hoje se celebram os 101 anos da assinatura do Tratado
de Versalhes, que pôs fim à carnificina e lançou os alicerces de onde emergiu a
segunda. Não me tornei um divulgador de efemérides, mas estas informações
servem para mostrar que se não escrevo uma epopeia, o problema não estará no
assunto, mas no talento do autor, que se recusa a pôr-me a escrever sobre tão
elevados temas.
Sem comentários:
Enviar um comentário