A barafunda veio para ficar, foi o que ouvi quando, hoje de
manhã, caminhei pelas ruas. Não foi um grande passeio, mas um pequeno giro de
desentorpecimento mental. Chegado a casa fui informado de que a orquídea branca
está completamente desaustinada. Uma qualquer euforia tomou-lhe a vida e ela continua
a desfazer-se em flores. Está nisto há bem mais de um ano e não tem aspecto de
querer parar. As folhas, todavia, estão a trocar o verde pelo amarelo. A vida
corre-me num torvelinho, os neurónios estão em turbilhão e o tempo está cada
vez mais quente. Dedilho as tarefas que tenho pela frente e não me parece que
os próximos dias sejam promissores. A tarde avança com os seus pelotões
sombrios. Marcham em cadência militar, batem as botas cardadas no chão, olham
impantes sem nada ver. Nas janelas, os mortais observam-nos com temor, não vão
eles apontar-lhes o lança-chamas e deitar fogo à casa, à vida, a sabe-se lá o
quê. O que achas disto tudo, perguntaram-me no outro dia. Encolhi os ombros e
disse que não achava nada. Já são poucas as coisas sobre as quais tenho opinião
e a minha esperança é a de deixar de ter opinião seja sobre o que for. Na
passadeira, afogueada e vestida de Verão, uma mulher jovem deixa que os olhos
repousem sobre ela, fingindo que não sabe, mas a passadeira é curta e no
passeio a luz e as sombras mesclam-se num tecido que turva os olhares. Hoje é
terça-feira, dia 23 de Junho. Há 192 anos Miguel de Bragança foi
aclamado rei de Portugal. Eis uma informação que não serve para nada, a não ser
para dar um matiz histórico ao fim desta narrativa de um narrador sem assunto
nem personagens.
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