Depois de almoço, quase frugal e quase abstémio, fui
assaltado por uma palavra. Entrou-me na consciência e não me tem largado. A
quem devo apresentar queixa por esta violação da liberdade de pensamento? Não
faço ideia por que razão zimbório canta dentro de mim. Não avisto nenhum e não
me deu um súbito interesse pela arquitectura, por cúpulas e dispositivos afins.
Há na palavra uma sonoridade exuberante e talvez seja isso que me tem prendido
a ela. Não deveria escrever tudo o que me passa pela cabeça, não contribui nem
para a minha sanidade mental nem para a reputação, ambas já muito desgastadas.
Observo ao longe uma rapariga absorta, não há como o eufemismo para suavizar a
marcha do tempo. Conheci-a numa outra encarnação ou talvez apenas imagino que a
tenha conhecido. Abre os olhos, mas a realidade escapa-lhe, como a beleza se
lhe escapou, como os sonhos se finaram na blusa de seda em que nenhum olhar,
excepto o meu, pousa. Um cão pára junto a uma árvore e, alçando a perna, marca
o território, num assomo de proprietário. O zimbório, porém, não deixa de
zumbir em mim. Descubro que uma nova tradução de A Montanha Mágica foi colocada no mercado. Li o romance de Mann na
tradução de Herberto Caro, para os Livros do Brasil. Depois, comprei a da D.
Quixote e ofereci a que lera. Perante o encómio da nova tradução, já decidi que
a vou comprar, depois alinho-as lado a lado na estante. Quando me der a vontade
de reler a obra, pego nelas e vou pesá-las. Lerei a mais leve. O critério é
mau? Eventualmente, mas mais vale ter um critério mau do que nenhum. Ou será ao
contrário? Hoje é quinta-feira, dia 25 de Junho. As palavras associam-se dentro
de mim. O zimbório zumbe na cúpula ou na cópula, ou apenas na consciência vazia
que para evitar o naufrágio se entrega às leviandades que a assaltam. O dever
chama-me.
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