Estão incertos os dias de Junho, um humor volúvel, euforia e
depressão. Onde me encontro neste momento, chove. Os pingos de chuva batem nos
vidros da janela, fazem pequenas bolhas para depois deslizarem, enchendo o
vidro de pequenos regatos que, ao confundirem-se, transformam-se em lago. O
mundo está cheio destas metamorfoses, um conjunto de coisas que ao juntarem-se
forma uma outra. Estava a ler o jornal e vejo a palavra palimpsesto. É uma bela
palavra, dotada de musicalidade, embora eu não a recomendasse para uso poético.
Todos nós somos textos que se escrevem no lugar onde outros textos foram
escritos e logo apagados. Queria eu dizer que também as nossas vidas fazem
parte de um palimpsesto de que não sabemos a origem nem temos a mais leve
desconfiança como ele, um dia muito depois do nosso texto ter sido apagado,
acabará. Talvez nas mãos de algum antiquário cósmico contrabandista de
velharias. De manhã, caminhei durante seis quilómetros, o corpo começou a etapa
muito exuberante, mas a partir de certa altura a energia começou a definhar e o
ritmo da passada abrandou, deixando-me longe do record pessoal, que já de si é miserável. Cães ladram na rua e um
buraco nas nuvens deixa ver um céu anil. Avisto duas torres altas, antigas
chaminés industriais feitas em tijolo, por onde a fumaça negra se elevava aos
céus, desenhando círculos, espirais, nuvens densas e tóxicas. São agora
pacíficos adornos de memórias que, com o passar dos dias, mudaram de infelizes
para o seu contrário, como acontece sempre. O meu email continua sob fogo
inimigo. Como bombas, caem nele mensagens, ainda por cima já nem se pode matar
o mensageiro que fica no resguardo do lar a disparar setas envenenadas como
Cupido lançava as de amor, não menos venenosas, claro. O melhor é cessar por
aqui, para que a deriva não me leve a mostrar a loucura que há muito disfarço,
não sem algum êxito. Hoje é sexta-feira, dia 12 de Junho. Um tempo de santos
populares – ó meu rico santo antoninho – pouco aberto a comemorações. As
adolescentes da casa querem uns santos caseiros, com sardinhas e bandeiras de
uma certa marca que se promove nestas ocasiões em Lisboa. Não digo qual, porque
isto não é uma agência de publicidade. Antes fora, grita-me a consciência.
Olho-a com desprezo e encolho os ombros. Sardinhas, então, mas no dia do santo.
Sentença lida.
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