Uma vertigem, daquelas que se sentem quando se bebeu um
pouco, mas não tanto que não se permaneça no estado de sobriedade. Depois, uma
sonolência que não pára de atormentar as pálpebras, incitando-as a cerrarem-se,
a cortarem-me as imagens do mundo, como se me tivesse esquecido de pagar a
conta na operadora que prodigaliza os serviços de televisão. Olhei pela janela
e a paisagem pareceu-me uma pintura de um pintor que muito se cultua por aqui,
como se fosse um santo. O pior é que o lugar dos pintores não é o altar. Ele
esteve em Paris, que é um lugar certo para pintores do tempo dele, naqueles anos
em que tudo efervescia e as artes plásticas sofreram tal revolução que uma era
nova começou. Ele não deu por nada. Talvez seja por isso que muito se gosta
dele. Cultivamos com esmero quem não dá por nada e persistimos em não dar por
nada. Uma luz esbranquiçada dilacera a tarde, abre-lhe sulcos, pequenos veios
por onde deslizam os raios solares, sombras se algum objecto se interpõe pelo
caminho. Uma das coisas mais inúteis que o homem inventou foi as instruções.
Mesmo as mais claras e distintas não servem para nada. Não há quem as escute ou leia.
Quem teve a ideia de criar instruções para facilitar a execução das tarefas
sobrevalorizou a humanidade. Ninguém quer saber de instruções para coisa alguma.
As pessoas preferem a tentativa e erro do que a comodidade de seguir uma instrução.
Têm à sua frente a eternidade para fazerem aquilo que, seguindo as indicações
coligidas com amor e destreza, se faria num abrir e fechar de olhos. Não sei o
que me deu para estar aqui a moralizar. Deveria pegar em mim, pôr a máscara
descer no elevador, tirar a máscara e ir ao campo comprar laranjas. Do outro
lado da avenida, um jacarandá está exuberante. Deixo os olhos presos nele por
alguns instantes, depois movo-os em direcção ao castelo e recolho-os em mim,
fechando as pálpebras. Hoje é domingo, dia 7 de Junho. A semana que entra será na
utilidade mais curta, mais sensata, pois também as semanas podem ser
insensatas. Vou comprar laranjas ao campo ou limões à praça, desde que não
necessite de instruções, pois também eu não as escuto ou leio. Eu bem tento
encurtar os textos, mas depois esqueço-me.
Ter um limoeiro, isso sim, era acrescentar uma parcela de felicidade à minha vida. Boas compras e resto de bom domingo.
ResponderEliminar~CC~
Muito obrigado.
EliminarUm resto de bom domingo.
HV