A primeira notícia que li hoje deu-me a boa nova de que
posso produzir cerveja em casa. É muito mais fácil do se pensa, asseguram uns
mestres cervejeiros. Isso raptou-me a atenção. Sempre me fascinou a ideia de
faça você mesmo e a entrada no mundo obscuro do artesanato. O meu único
problema é que não encontro motivo para entrar nesse universo artesanal através
da porta líquida da cerveja. Que me perdoem os amantes, mas passo bem sem ela, embora
uma vez por outra a beba. Fosse um belo tinto, ainda pensaria duas vezes, mas
esse não se deixa enganar com artesanatos caseiros e diletantes à procura de experiências
para matar o tempo. O vinho é um exercício rigoroso, nascido da contemplação do
passar dos dias, não se presta ao faça você mesmo, ao pronto a beber e todas
essas coisas que um mundo superficial decidiu parir como filhos. Julgo que há
uma conspiração do mundo contra mim. Sempre que vejo anunciado uma boa nova,
ela não me é destinada. Não devemos menosprezar o destino. Prodigioso é o
silêncio na pedra, escreveu um dia o poeta austríaco Georg Trakl. Mais
tarde, foi mobilizado como oficial farmacêutico, ele que era dado ao consumo de
substâncias psicotrópicas, para a primeira grande guerra. A 3 de Novembro de
1914, uma overdose de cocaína pôs-lhe fim ao desconcerto de ter de
participar nesse grande evento da loucura europeia. Não tornará a escrever um
verso, nem poderá murmurar Nos muros, apagar-se-ão as estrelas / e as
brancas figuras da luz. Se prodigiosa é a palavra do poeta, mais prodigioso
é o seu silêncio, esculpido na pedra fria da morte. Um melro, vestido de um
luto fulgurante, saltita diante do canavial. Duas rolas passam e poisam num
ramo seco duma árvore morta há muito. O tempo resvala para dentro de si,
enquanto procuro um copo para beber o vinho deste dia.
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