Oiço uma milonga e a tarde abre-se como um enorme
poço de nostalgia. Os portugueses, pensei, têm uma grande fixação pela música
brasileira, mas há uma profundidade de sentimento naquela que nasce na
Argentina que me parece inultrapassável. Talvez o fado se lhe equipare, mas não
estou certo disso. Lembrei-me disto porque ontem estiveram cá uns amigos da
geração intermédia. Um deles tocava violão, mas apesar de argentino apenas se
interessava pela Bossa Nova, a qual estudava com um afinco profissional. Ao
longe, uma outra música se intromete na Milonga del Solitario, a célebre
Mrs. Robinson, de Simon & Garfunkel. Será outra nostalgia, pensei. Uma
notícia informa-me que a bandeira vermelha para indicar praia cheia já foi
hasteada quase 2 500 vezes. A minha consciência sorriu plena de orgulho. Em
nenhuma dessas vezes a lotação esgotada se deveu à minha presença. Gosto de tal
maneira da areia da praia que evito pisá-la. Nunca se deve pôr os pés em cima
daquilo que amamos. Estas graçolas secas dão a medida do meu talento. Agosto
caminha para a meia idade, não tarda estará velho. Depois, virá o mês em que a
realidade reclama a pesada corveia, cheia de projectos, objectivos, cheia de humanidade
e um rosário de abjecções e coisas sem sentido. Estará um tempo de escachar, de
rachar, de derreter os untos, de ananases. De todas estas expressões ao gosto
popular, em uso no tempo do Eça, a que mais me agrada é a de ananases. Um calor
de ananases. Um dia ainda vou investigar a origem da expressão, mas é possível
que já não exista ninguém que tenha assistido ao seu nascimento. A milonga acabou
há muito, agora oiço uma zamba, Luna Tucumana, e uma
melancolia suave escorre sobre o dia.
Talvez porque as estufas de ananases são muito quentes: se bem me lembro estava um calor imenso [de ananases ;)] quando visitei as estufas em "Sã Meguel".
ResponderEliminarE um cheirinho intenso a ananás, claro.
Um bom resto de tarde.
🍍
Parece que é mesmo por isso, pela necessidade de imenso calor para criar ananases.
EliminarUm resto de boa tarde.
HV