Quando se põe o pé no cimento que cobre o chão do molhe, são
mais seiscentos metros até alcançar o farol. Se está uma névoa ligeira, como
tantas vezes acontece, esse pequeno passeio proporciona algumas sensações que
não são de desprezar. A cidade à direita esbate-se, como se fosse um desenho a
carvão, desmaiado pelo tempo, adquirindo uma beleza que uma luz límpida lhe
recusa. O mar troca a tonalidade esmeralda e azul por um cinzento cheio de enigmas,
ameaças e promessas, enquanto se ouve o seu restolhar nas rochas. Os outros
molhes fazem lembrar ruínas deixadas por civilizações desconhecidas. Os barcos
ancorados são fantasmas que baloiçam embalados pelo vento, enquanto os veleiros
e os barcos de recreio se aproximam ou afastam do porto, conforme o destino de
cada um. É preciso caminhar de olhos bem abertos para não tropeçar. Quando se
chega ao farol pode-se ficar a contemplar o oceano, a meditar no seu enigma, ou
então virar costas ao sonho e apressar-se, empurrado pelo vento norte, em
direcção a terra. Chegados aqui o sortilégio desfaz-se. Há um porto, com barcos
em reparação, o areal das praias que se vão sucedendo, até se perderem de vista,
o voo das gaivotas que negoceiam com o vento a poupança da energia, planando
sobre a terra. Enquanto caminhava, ainda antes de chegar ao molhe, o sol
matinal foi cedendo lugar à névoa, e eu pensei que o verdadeiro romantismo só
pode existir em paisagens assim, paisagens das terras frias do Norte. Se
importado pelo povos meridionais nunca deixa de ser insípido e, na verdade,
vazio. A luz nunca foi a melhor companhia para os enigmas do sentimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário