quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Pão e vinho

À minha frente, havia um caminho estreito de terra batida, ladeado por arbustos espontâneos, raquíticos, carcomidos pelo vento norte. Algumas rochas erguiam-se como marcos miliários. Por ali, circulavam aqueles que, afastando-se um pouco da cidade, imaginavam estar no campo, para lhe sorver o ar, encher os pulmões de ruralidade. Um homem ia apressado, arrastando ligeiramente uma perna, um casal caminhava com demora, ele fazia comentários sobre a paisagem, ela ouvia com atenção e sorria, evitava as palavras, não se queria comprometer. Dois corvos desenharam um semicírculo no céu e desapareceram atrás de uns cedros altos. Isto foi antes de ir ao supermercado, ter de esperar a vez para entrar e, depois, ver-me rodeado de gente inóspita apenas porque precisava de pão e vinho, para com eles compor um poema, ou esboçar uma pequena narrativa onde as duas espécies litúrgicas entrariam para produzir o ambiente e dar-lhe profundidade. Quando acabei as compras e saí, havia sol. Procurei uma esplanada onde pudesse beber café rodeado de silêncio e esquecer-me do poema ou do conto que me levaram às compras. Agosto nunca deixa de ser um mês estranho, cheio de rituais fundados numa mitologia precária, movida pelo desejo, por sonhos eróticos, histórias onde se cruza a inverosimilhança e a necessidade de mostrar aos outros que se existe e se tem uma vida plena, como se a plenitude fosse prerrogativa de mortais. Não é.

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