Em 1955, o fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson visitou
Portugal e fez um conjunto de fotografias que tem tido ao longo dos anos uma enorme
fortuna. Hoje deparei-me com uma delas, extraordinária como as demais. Nos
Jerónimos, junto a uma coluna, um confessionário minimalista, apenas um tabique
de madeira, certamente com uma abertura velada por um gradeado que permitia
falar e escutar e, ao mesmo tempo, manter secreta, ou quase, a identidade das
confessadas. Sob essa abertura havia de ambos os lados apoios para os braços. Sentado
de pernas abertas, o sacerdote, de cabelos brancos e trajado com a respectiva
batina, escutava a longa confidência de uma mulher ajoelhada, vestida de preto até
aos pés, véu negro sobre a cabeça. Olho a fotografia demoradamente e imagino o
que poderia fazer a partir dela caso fosse realizador de cinema. Filmaria a
mulher a levantar-se do confessionário, haveria por certo um zoom que
permitisse apreender a elegância dela e acabasse por se centrar na beleza do
rosto, acompanhá-la-ia no trajecto em direcção a um altar para cumprir a
penitência, enquanto mostrava, em fundo, o sacerdote a erguer-se da cadeira e
espreitar a mulher, tomado por uma curiosidade invencível. Nesse momento, ela voltava-se
sorridente para ele que, ao sentir os olhos dela nos dele, estremecia e deixava
aflorar um esgar de terror no rosto. A mulher que confessara, descobria então,
era a sua própria morte. Portugal, naqueles tempos, era um país escuro, muito
escuro, pensei, enquanto ouvia o correr da água que alguém num andar próximo
deixava cair sobre umas plantas exaustas pelo calor. Uma sirene lembrou-me que
deveria ir almoçar, pois o cinema não é coisa que me diga respeito.
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