terça-feira, 4 de agosto de 2020

A linha do horizonte

Uma mulher pousou o cotovelo na mesa da esplanada, depois apoiou o queixo na palma da mão. Fiquei à espera que, num súbito movimento de contorcionista, um pé, levantando-se, acabasse por aterrar-lhe na cabeça. Tenho demasiadas expectativas sobre a humanidade, não admira que me sinta continuamente defraudado. Ela podia ser uma contorcionista, afinal era só uma mulher solitária que apoiava a cabeça para olhar o horizonte e beber café. Quando não se sabe o que se há-de fazer com as pessoas, o melhor é pô-las a olhar o horizonte. Não foi este o caso. Eu faria dela uma contorcionista, dar-lhe-ia o melhor dos futuros num circo já sem animais amestrados, a não ser os humanos, mas ela preferiu olhar em frente, para aquele sítio onde uma linha ténue une o céu e o mar. Com vagar, um veleiro foi crescendo, rompendo a linha, e eu temi, confesso-o sem vergonha, que o oceano se entornasse para dentro do céu, ou que este lançasse sobre o mar alguma coisa que não quisesse nele. A mulher que podia ter sido contorcionista mexia, com os seus belos dedos, longos e afilados, o meio pacote de açúcar que depositou dentro da chávena. Eu vi o pequeno monte de cristais brancos sobre a espuma castanha. Eu vi-os desaparecer tragados por aquele buraco líquido. Eu vi-a a fazer rodopiar, com a mão direita, a colher dentro da chávena, enquanto a esquerda lhe segurava a cabeça para olhar o horizonte. Se eu tivesse um circo, contratava-a para contorcionista de horizontes. Não tenho, as minhas palhaçadas – de palhaço pobre, note-se – não chegam para animar o negócio. Também eu fiquei a olhar a linha do horizonte.

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