O dia nasceu sombrio, e eu hesito em avaliar o fenómeno. Vestiu-se
de luto pelo meu último dia de férias? Decidiu poupar-me aos transtornos
físicos – e metafísicos, já agora – da canícula? Sinto no centro do peito uma
estranha opressão vinda do futuro, mas entretenho-me com a gestão do dia. Um
amigo enviou-me um conto publicado pela mulher, vou lê-lo. Outra pergunta-me se
quero ir jantar com eles, o clã familiar. O padre Lodovico quer saber quando
vou a Lisboa. Uma transportadora deixa-me à porta uma encomenda com o triciclo
que comprei para o meu neto. Anoto que, quando for à capital, não posso esquecer-me
de levar os hoverboards das netas. Continuo com a minha investigação
sobre quem terá sido o T. Noronha que escreveu Volupia que Salva. Graças
ao cruzamento dos catálogos de duas bibliotecas municipais cheguei a uma tese
verosímil. Trata-se de D. Tomás de Noronha (1870-1934), autor de umas memórias
com o título De capa e Batina sobre a estúrdia coimbrã do seu tempo. O
fidalgo cursou letras e, depois, teologia, tendo-se formado em ambas. Para
teólogo não estava mal. Consta que, juntamente com um tal Pad-Zé e um Vicente
Arnoso, foi um dos grandes animadores, em Coimbra, da boémia estudantil. Também
escreveu, entre outras coisas sem relevo, um livro de versos com o título Tempos
Perdidos. Talvez um sinal de arrependimento. Acabados os cursos foi para o Oriente,
para exercer como professor de inglês e alemão no Liceu Nova Goa. A fidalguia
já andava, naqueles tempos, pelas ruas da amargura. Na biografia que descobri –
um texto hagiográfico da personagem – não consta a referência ao romance que
narra os amores de Octavia e Valeria, mas verifiquei que é publicado pela mesma
editora – a J. Rodrigues & Cª, sediada no 186 da Rua do Ouro, em Lisboa –
que dá à estampa, como se dizia, as tais memórias de estudante. Posso ainda
informar que em 1906, ao voltar das Índias, foi recebido e louvado pelo rei D.
Carlos e pela rainha D. Amélia, devido a uma iniciativa sobre a Assistência
Escolar aos indígenas (a palavra não é minha). Uma coisa é certa, contínuo a
ser um repositório de informações inúteis, mas a verdade é que, com a idade, a
fronteira entre o útil e o inútil se diluiu. Vou fechar as persianas que o sol
voltou a ameaçar.
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